Sobre mulheres e a fertilidade na Ciência do Solo brasileira
29-05-2025
Da Redação FEBRAPDP
A ciência do solo, especialmente a microbiologia, tem um aspecto interessante no Brasil: a força e a competência das mulheres. Pesquisadoras brasileiras vêm liderando descobertas fundamentais para a agricultura sustentável, trazendo uma visão que alia produtividade, equilíbrio ambiental e sensibilidade com a vida que pulsa sob nossos pés. Em entrevista exclusiva à FEBRAPDP, a Dra. Mariângela Hungria, laureada com o World Food Prize 2025 – considerado o "Nobel da Agricultura" –, falou para a também cientista, professora e bióloga Marie Bartz sobre essa conexão feminina com a terra, sua trajetória inspiradora e os desafios para alimentar o mundo sem esgotar seus recursos.
Produzir mais com menos: a revolução dos bioinsumos
Um dos pilares do trabalho da Dra. Hungria é o conceito de "produzir mais com menos" – aumentar a produtividade sem expandir áreas agrícolas, usando tecnologias sustentáveis. "Temos potencial para dobrar a produção de soja, por exemplo, usando melhor as tecnologias já disponíveis, como fixação biológica de nitrogênio e inoculantes", explica.
Ela destaca que os bioinsumos são peças-chave nessa equação. "Eles não só reduzem custos com fertilizantes químicos, como melhoram a saúde do solo e a resiliência das lavouras." No caso da soja, a fixação biológica de nitrogênio já economizou US$ 25 bilhões em importações de fertilizantes e evitou a emissão de 230 milhões de toneladas de CO₂. "Precisamos substituir cada vez mais insumos químicos por biológicos. É mais barato, mais sustentável e melhora nossa imagem no exterior", afirma.
A surpresa do World Food Prize e o reconhecimento
Ao receber a notícia de que havia ganhado o World Food Prize, Mariângela não conseguia acreditar. Achou que seria apenas uma palestra, até que os organizadores revelaram: "Você ganhou o prêmio!" A emoção foi tanta que ela começou a chorar. "Esse prêmio não é só meu, é da Embrapa, dos meus colegas, dos agricultores que testaram nossas tecnologias", ressalta.
Mas ela vai além: "Precisamos ser mais humildes. O agro brasileiro é forte, mas ainda há muito a melhorar. Temos tecnologia para produzir muito mais na mesma área, sem avançar sobre novos biomas."
Desafios: qualidade dos bioinsumos e formação de profissionais
Com a explosão de interesse por bioinsumos, Mariângela alerta para os riscos da produção sem controle. "Microbiologia não é química. Precisa de conhecimento técnico para evitar contaminações que podem prejudicar os resultados." Ela cita o trabalho da Dra. Ieda Mendes, que desenvolveu métodos avançados de bioanálise do solo, como essencial para garantir a eficácia desses produtos. Outro desafio é a falta de profissionais qualificados. "As indústrias estão desesperadas por microbiologistas. Precisamos investir em formação técnica e científica", diz.
Não aceitem os 'nãos'
Mariângela, pesquisadora da Embrapa Soja e uma das maiores especialistas em fixação biológica de nitrogênio, destaca que muitas das pioneiras nessa área foram mulheres, como Johanna Döbereiner, Ana Primavesi e Ieda Mendes, da Embrapa Cerrados, referência em estudos sobre enzimas e saúde do solo.
Johanna Döbereiner (1924-2000) foi uma microbiologista tcheco-brasileira considerada a "mãe da agricultura tropical sustentável". Seus estudos revolucionários com bactérias fixadoras de nitrogênio em leguminosas permitiram que o Brasil reduzisse drasticamente o uso de fertilizantes nitrogenados na soja, economizando bilhões de dólares. Indicada ao Nobel de Química em 1997, ela formou gerações de cientistas e foi mentora da própria Dra. Mariângela Hungria.
Ana Maria Primavesi (1920-2020), austríaca naturalizada brasileira, foi pioneira da agroecologia no país. Conhecida como a "mãe da agricultura orgânica no Brasil", seus trabalhos sobre manejo ecológico do solo revolucionaram o entendimento da relação entre microbiologia e fertilidade. Autora de livros fundamentais como "Manejo Ecológico do Solo", ela defendia que a saúde da terra era inseparável da saúde humana.
"Nós, mulheres, sempre estivemos mais ligadas à sustentabilidade e à vida no solo. É uma visão que busca não apenas produzir, mas preservar", afirma Mariângela. Ela lembra que essas cientistas enfrentaram resistência em um meio majoritariamente masculino, mas suas ideias revolucionárias pavimentaram o caminho para tecnologias que hoje beneficiam milhões de agricultores.
Esta geração de pioneiras criou as bases para que o Brasil se tornasse referência mundial em agricultura tropical sustentável - legado que agora é continuado por pesquisadoras como Mariângela Hungria e Ieda Mendes.
A própria Mariângela é herdeira desse legado. Aluna de Johanna Döbereiner, ela recorda com emoção como a mestra acreditou nela quando muitos duvidavam. "A Dra. Johanna me contratou mesmo sendo jovem e com duas filhas pequenas, uma delas com necessidades especiais. Ela via além dos preconceitos – enxergava o potencial."
Mensagem para as Jovens Cientistas
Sua mensagem para as novas gerações? "Não aceitem os 'nãos'." Com determinação e paixão pela ciência, é possível transformar a agricultura – e o mundo. Como ela mesma prova, o futuro da alimentação sustentável tem, cada vez mais, nome de mulher.
Quer assistir à entrevista completa com a Dra. Mariângela Hungria?
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