Brasil pode usar mais as águas subterrâneas durante estiagens e evitar crises hídricas, dizem cientistas

Por André Julião, Agência FAPESP

Brasil pode usar mais as águas subterrâneas durante estiagens e evitar crises hídricas, dizem cientistas
O professor da Unesp Rodrigo Lilla Manzione defendeu em sua apresentação a importância de diversificar a fontes de abastecimento - Imagem: reprodução

As águas subterrâneas somam 97% de toda a água doce líquida do planeta. Não por acaso, muitos países contam com essa fonte para garantir sua segurança hídrica. A Europa como um todo, por exemplo, tem cerca de 65% de seu abastecimento com águas do subsolo, mas o número é maior em alguns países contados isoladamente, como Alemanha (75%) e Dinamarca (100%). No Brasil, porém, apenas 18% dos municípios têm essa como sua principal fonte de abastecimento.

“As estiagens são previsíveis. Cada vez mais, sabemos quando e onde vão ocorrer. O que temos de fazer é nos preparar, investindo em infraestrutura e gestão para que a estiagem não vire crise hídrica”, disse Ricardo Hirata, professor do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (IGc-USP), durante o último evento do Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação de 2023, realizado na segunda-feira passada.

Segundo o pesquisador, contar mais com as águas subterrâneas como parte das fontes é um passo importante que pode ser adotado no Brasil para evitar futuras crises. “Aquíferos são grandes caixas d'água que a natureza nos deu e devemos utilizar de forma apropriada. Eles podem receber pequenos ingressos de água, mas ficar vários anos sem receber e não haverá problema”, explicou.

“O tema da água é um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [Agenda 2030 das Nações Unidas] em si e também está relacionado a vários outros. Fome, redução da desigualdade, estão todos ligados à água. Esse tema é central na condição de vida das pessoas e do ponto de vista econômico, da agricultura, da indústria e das populações, sejam das cidades ou das áreas rurais”, definiu Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP, durante a abertura do seminário.

Rodrigo Lilla Manzione, professor da Faculdade de Ciências, Tecnologia e Educação da Universidade Estadual Paulista (FCTE-Unesp), em Ourinhos, concorda com Hirata que é preciso diversificar as fontes para se prevenir de crises hídricas.

Segundo o pesquisador, nos municípios abastecidos pela bacia do Paranapanema, “a crise hídrica [de 2018] só não foi pior porque grande parte dos municípios da região é abastecida por sistemas mistos”, tanto com águas subterrâneas como superficiais.

A bacia do Paranapanema abastece 247 municípios, 115 no Estado de São Paulo e 132 no Paraná, uma população de quase 5 milhões de pessoas. A maior parte da vegetação nativa foi removida e, nos últimos anos, houve um aumento da atividade agrícola nas cabeceiras. A bacia possui ainda nove barragens de geração de energia hidrelétrica.

Há ainda um problema sério de saneamento, com baixos níveis de coleta de esgoto em muitas cidades da bacia, que lançam esgoto in natura nos rios”, conta.

Legislação

Para Luciana Cordeiro de Souza Fernandes, professora da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (FCA-Unicamp), toda legislação nesse sentido deve ter “o sustentáculo da ciência”.

A regulação do uso e ordenamento do solo se faz essencial, imprescindível. A legislação ambiental não deve ser vista como entrave, do que não se pode fazer, mas de como se pode fazer”, disse a pesquisadora.

Fernandes aponta ainda que os Estados devem legislar sobre suas águas subterrâneas, mas que apenas 11, mais o Distrito Federal, criaram leis específicas. O Estado de São Paulo foi o pioneiro, com lei criada em 1988 e regulamentada em 1991 (leia mais em: agencia.fapesp.br/28619/).

“Depois da lei paulista, os outros Estados passaram apenas a copiar a regra de São Paulo, sem olhar para o próprio território e suas características”, afirmou.

Para Hirata, o fato é que longos períodos de estiagem são esperados por conta das mudanças climáticas globais e os rios serão os grandes afetados.

“As cidades não devem colocar todos os ovos no mesmo cesto, mas pensar em opções variadas, como águas superficiais e subterrâneas, além de água de reúso para atividades como rega de plantas, descargas e refrigeração, sobrando água potável para a população, sobretudo os mais pobres”, concluiu.

O seminário teve ainda a presença de Natacha Souza Jones, diretora-executiva do ILP.

A transmissão completa pode ser vista em: www.youtube.com/watch?v=nfoyxWBJrTc.