Com resultados positivos, elevadas doses de corretivos é objeto de estudos no Matopiba
Da Redação FEBRAPDP
“Em nossas observações dentro de fazendas experimentais em áreas de produtores, temos alcançado patamares produtivos de ganhos de 10, 20, 30% maior do que quando trabalhamos com aquelas doses mais convencionais ou aquelas que saem de acordo com a análise do solo e os manuais que a gente usa para a região. O uso dessas doses mais altas de calcário tem proporcionado uma melhoria na fertilidade do solo, uma correção mais célere da fertilidade do solo, inclusive em profundidade. Tem proporcionado também uma melhoria do estado nutricional das plantas”. A fala é do pesquisador Henrique Antunes de Souza, da Embrapa Meio Norte. Ele desenvolve na região do Matopiba estudo que avalia benefícios e possíveis efeitos colaterais do uso de elevadas dosagens de corretivos de solo, uma prática que se tornou regra na grande maioria das lavouras comerciais locais. A seguir, confira a entrevista que o pesquisador nos concedeu.
Recentemente, o senhor proferiu a palestra “Correção da acidez do solo em áreas de abertura: critérios e doses” no 34º Congresso Nacional de Milho e Sorgo. Por que o trabalho foca especificamente nos "critérios e doses"? O que a pesquisa vem notando nas ações de manejo do solo na região para destacar pontualmente essa questão?
Henrique Antunes de Souza: Apresentamos resultados de pesquisa que temos feito em diferentes pontos, principalmente na região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). O estudo avalia a prática, por parte dos produtores da região, do uso de elevadas doses de corretivos, especialmente o calcário. E quando a gente fala em elevadas doses, falamos doses muito maiores do que aquelas que são recomendadas pelos boletins ou manuais oficiais de recomendação de correção do solo e adubação. São valores e quantitativos aplicados em áreas de abertura e em áreas novas, que são muito maiores do que aqueles que vêm sendo recomendados pelos manuais ou que podem ser sugeridos, ou que são sugeridos pelos manuais de correção do solo e adubação. Valores que acabam sendo duas vezes, duas vezes e meia ou até três vezes o valor que da recomendação oficial e os resultados têm sido bastante interessantes para os agricultores.
Eles têm conseguido acelerar a correção da fertilidade do solo e tendo patamares de produtividade satisfatórios já com plantio de soja em primeiro ano. A prática não era tão corriqueira, num passado não tão longínquo, mas que recentemente, e até mesmo pelo próprio preço dessa commodity, o pessoal já vem abrindo áreas com doses mais altas de calcário e, obviamente, já plantando soja, que já traz um certo retorno. Em outras situações, o pessoal tem aplicado calcário em doses altas, não plantado soja, mas fazendo ainda uma safra, às vezes, com palhada, às vezes com braquiária, milheto; enfim, abrindo a área no primeiro momento com forrageiras e depois no segundo ano entrando com soja.
É lógico que isso depende caso a caso, região a região. Mas o que nós temos verificado é que essa aplicação de doses mais elevadas já é uma realidade na região como um todo. Nós não estamos discutindo se isso é viável ou não porque vários produtores têm feito e têm tido resultado bastante interessante do ponto de vista de abertura diária, correção de fertilidade mais rápida e patamares produtivos compensatórios para, obviamente, numa abertura diária, onde você ainda está construindo fertilidade, onde você ainda tem uma questão de melhoria, principalmente de solo. É aí que cabe a nós da pesquisa verificar por que está dando certo. Queremos verificar se a prática não está causando nenhum desbalanço, por exemplo, com outros nutrientes, por exemplo, fósforo, potássio, isso está causando algum desbalanço, por exemplo, de micronutrientes ou algum outro tipo de problema.
Vocês estão pesquisando os benefícios e possíveis efeitos colaterais, certo?
Henrique Antunes de Souza: Sim, nós estamos vendo também os efeitos colaterais. Eu vou explicar melhor mais à frente, mas quando se trabalha com altas doses de calcário, invariavelmente deve-se tomar cuidado com o fósforo, você tem que obviamente fazer uma boa adubação fosfatada, mas acima de tudo, uma boa adubação potássica e não pode se descuidar de micronutrientes, principalmente os catiônicos. Quando você aumenta o pH do solo, você tem que, obviamente, fazer adubação com micronutrientes. Não pode se descuidar disso. Contudo, quando você está trabalhando com doses mais altas, isso fica mais claro ainda. Tomar muito cuidado com potássio e os micronutrientes é fundamental.
Por que isso acontece?
Henrique Antunes de Souza: Porque quando a gente faz aplicação de calcário, que é o carbonato de cálcio e o carbonato de magnésio. Tanto o cálcio quanto o magnésio que estão junto, que vem junto no calcário, vão ficar disponíveis ali para o solo e ali você tem cálcio, magnésio que são cátions, o potássio que também é um cátion, ficando ligados ao solo. Se você coloca muito cálcio, muito magnésio proveniente dessa calagem, invariavelmente, se você não fizer uma boa adubação com potássio, o potássio vai ficar para trás, então ele vai ter menos pontos de carga para ficar ali ligado ao solo e teoricamente em algum momento você pode ter algum problema com o potássio. Por isso, consideramos ser importante estar atento aos níveis de fósforo, potássio e micronutrientes. Logicamente, o produtor já está consciente em relação a esses pontos, mas é importante sempre a gente chamar atenção para isso.
A pesquisa também tem por intuito colocar novos critérios e doses, porque os critérios antes estabelecidos, não têm sido mais empregados; foram substituídos. Nesse sentido, a pesquisa vem para ajudar a gerar um critério que traga uma segurança maior para quando o agricultor optar por uma abertura de área com doses mais altas. Essa é uma demanda, inclusive, dos agricultores. Fizemos, por exemplo, um experimento junto com o pessoal da Aprosoja do Piauí, justamente pra tentar entender melhor essas altas doses de calcário na área de abertura.
Outro aspecto é que, se o produtor for pegar um financiamento em banco, ele não vai poder aplicar essas doses mais altas, em torno de 8, 10 ou mais toneladas de calcário. Ele vai ter que, às vezes, aplicar 3 ou 4, que é aquilo que sai pela recomendação via análise do solo. Então, a nossa ideia é tentar entender melhor o que está acontecendo no solo e obviamente gerar novos critérios que permitam ao agricultor, óbvio, de maneira sustentável, de maneira conservacionista, gerar uma aplicação que traga benefícios, lógico, financeiros, produtivos, mas também ambientalmente seguros. E óbvio, conservando o solo acima de tudo.
Como se apresenta hoje na prática o uso de corretivos para os diferentes momentos (safra, safrinha e plantas de cobertura) e culturas das lavouras na região?
Henrique Antunes de Souza: O que temos orientado aos produtores é que façam uma boa aplicação, façam a melhor incorporação possível nesse momento e, depois, já entrem com o seu cultivo. O que a gente tem visto é que talvez, para essas regiões de abertura, a precipitação não seja suficiente para que a gente possa ter uma completa reação do calcário. Porque para se ter uma boa reação do calcário você precisa ter duas coisas, a água, a umidade no solo e a acidez. A acidez nós temos porque são áreas novas, são áreas de abertura onde os solos são considerados pobres do ponto de vista de fertilidade, com valores baixos de pH e valores baixos e concentrações baixas de nutrientes. Nessas regiões, como a do Matopiba, a questão de precipitação é bem distinta. Tem locais onde você não vai conseguir fazer safra safrinha, você vai conseguir talvez fazer uma boa safra. As as janelas de plantio são mais curtas. Praticamente, quando começa a chover, você já está praticamente plantando, diferentemente de outras regiões do Brasil, onde o produtor tem algumas chuvas iniciais antes de proceder ao plantio. No Matopiba, isso não acontece. Então, talvez uma justificativa para essas doses mais altas, seja o aumento do tempo de reação. Como não temos água antes, por causa das janelas de plantio que eu acabei de mencionar, talvez tenhamos que aplicar um pouquinho mais para, de fato, ter aquele resultado almejado. Independentemente se o produtor vai fazer safra, safrinha ou até mesmo uma planta de cobertura, essas altas doses têm trazido resposta tanto na safra, quando se tem uma safrinha, ou se não tem uma safrinha de grãos, quando se tem uma safrinha de palhada. Tivemos esse resultado em nossos diferentes experimentos com braquiária, por exemplo, ou às vezes numa safrinha, por exemplo, com colheita de grãos de milheto ou até mesmo de gergelim. Temos obtido resultados tanto pra safra, cultura principal no caso a soja, inclusive quando você coloca uma segunda cultura de grãos, por exemplo gergelim, ou quando não é possível, você tem uma safra de palhada, vamos chamar assim, com a braquiária. Inclusive essa safra de palhada que a gente fala é uma safra de palhada com integração. Estamos conseguindo observar efeitos positivos quando, após a soja, fazemos o plantio da braquiária, colocamos os animais na área e ainda temos palhada suficiente para fazer uma boa cobertura para a safra seguinte. Em outras palavras, seja safrinha ou seja planta de cobertura, há benefícios também com a melhoria do perfil do solo pelo uso dessas elevadas doses de corretivos em áreas de abertura. Para complementar, é importante mencionar que fazemos a correção do solo pensando no sistema e não em culturas específicas, independente se eu vou ter safra ou safrinha, ou se eu vou ter safra em uma safrinha de palhada, a ideia é corrigir o sistema, não uma cultura específica.
Quais as características predominantes nos diferentes tipos de perfil de solo no Matopiba? E como se diferenciam as múltiplas realidades das áreas nessa fronteira agrícola ainda em formação?
Henrique Antunes de Souza: O Matopiba é extremamente heterogêneo, então nós temos solos ali com um pouco mais argila, outros com menos argila ainda, solos extremamente arenosos, com baixas concentrações de matéria orgânica. Temos uma influência do clima enorme, que obviamente isso acaba interferindo no sistema de produção. Há uma presença maciça, principalmente no Tocantins, de plintossolos, que são aqueles solos que tem um pouco mais de pedrogosidade. O pessoal tem plantado bem e tem conseguido tirar boas produtividades em solos desse tipo. De uma maneira geral, a gente encontra solos de textura média para textura arenosa numa proporção bastante razoável, ou seja, em grandes quantidades. E, lógico, a região tem uma influência do clima que acaba, obviamente, ditando um pouco a regra dos manejos agrícolas que a gente vai ter na região. A questão de precipitação, somado as janelas de plantio que nós temos, somado a capacidade onde nós conseguimos fazer uma safra, uma safrinha em função do regime de chuvas que nós temos. Em algumas regiões, como, por exemplo, na região do Leste Maranhense, se tem um quantitativo de chuva bastante razoável, às vezes 1.500, 1.700 milímetros, mas a distribuição dessa chuva é muito ruim e num intervalo muito curto de tempo. Então, em cinco meses, se tem chuvas nesses quantitativos, mas com uma distribuição muito ruim. Num único dia às vezes pode chover 40 ou 60 milímetros e logo depois vêm períodos de veranico. Os períodos de veranico não são exclusividade da região do Leste Maranhense, muito pelo contrário, são do Matopiba como um todo, tanto no sul do Piauí como, por exemplo, mais para o mais próximo ali do litoral, que a gente fala, o médio, baixo, parnaíba, a questão do veranico afeta o Matopiba como um todo.
É aí que está mais um ponto interessante desses trabalhos com corretivos. A partir do momento em que o corretivo consegue diminuir o alumínio (que é tóxico para as plantas) no solo praticamente eliminando-o, melhora o valor pH do solo e consequentemente melhora a fertilidade, porque melhorando o pH, aumentando o pH, você aumenta a concentração de cálcio, aumenta a concentração de magnésio também, porque estes são constituintes do calcário. É possível melhorar também a absorção de fósforo e potássio. E o grande X da questão é que a partir do momento que você cria um perfil mais corrigido, você dá condições das raízes das plantas fazerem ou explorarem melhor o perfil do solo, conseguindo atingir às vezes as camadas que antes não seriam atingidas, onde ali ela vai encontrar água, nutrientes e consequentemente às vezes passar por um período de veranico com estresse ou sob uma condição de estresse menor. Desta forma, o uso de corretivos cria um ambiente radicular propício para um bom e pleno desenvolvimento, algo fundamental, principalmente em regiões de fronteira agrícola, como o Matopiba, onde ainda está se criando fertilidade, onde está se construindo perfil e onde se tem, obviamente, uma condição climática um pouco mais sensível.
O senhor apresentou dados de uma pesquisa correlacionando a relação solo-planta e a produtividade. Poderia falar sobre esses dados mostrados e o que eles estão nos dizendo?
Henrique Antunes de Souza: Nós apresentamos resultados bastante interessantes lá no Congresso, onde a gente fala da fertilidade do solo, mostrando melhoria de perfil do solo tanto em 0,20 quanto em 0,20-0,40 e 0,40-0,60, atingindo patamares extremamente interessantes de cálcio e magnésio, principalmente no solo, eliminando praticamente todo o alumínio, e, consequentemente, verificando resultados muito positivos na planta; ou seja, o estado nutricional da planta sendo influenciado de maneira positiva. Um ponto que eu preciso chamar a atenção é que quando se trabalha com doses mais altas de calcário, a gente tem que ter atenção com três pontos: 1 – Fósforo. É necessário fazer uma boa adubação fosfatada, mas isso tem que ser feito independente ou não de você fazer uma aplicação com valores mais altos de calcário; 2 – Potássio. Sim, tem que ter uma atenção, não pode descuidar da adubação fosfatada, e 3 – Micronutrientes. Também não podem ser deixados de lado, porque quando você aumenta o pH do solo, invariavelmente você diminui as concentrações de micronutrientes, principalmente aqueles catiônicos. O detalhe interessante é que quando você faz a aplicação dessas altas doses e com uma boa incorporação – e acho esse um ponto-chave nesse processo –, você consegue corrigir o perfil do solo para uma profundidade bastante interessante, às vezes 30, ou até um pouco mais do que isso em termos de profundidade, conseguindo criar um ambiente, uma aceleração da construção da fertilidade do solo mais rápida. A partir desses patamares produtivos, têm-se obtido uma resposta interessante.
Em nossas observações dentro de fazendas experimentais em áreas de produtores, temos alcançado patamares produtivos de ganhos de 10, 20, 30% maior do que quando trabalhamos com aquelas doses mais convencionais ou aquelas que saem de acordo com a análise do solo e os manuais que a gente usa para a região. O uso dessas doses mais altas de calcário tem proporcionado uma melhoria na fertilidade do solo, uma correção mais séria da fertilidade do solo, inclusive em profundidade. Tem proporcionado também uma melhoria do estado nutricional das plantas, lógico que temos que nos atentar para aquilo que eu acabei de mencionar, fósforo, potássio e micronutrientes, e os patamares produtivos, ou seja, a produtividade, ela tem dado um retorno bastante interessante em termos de ganhos, às vezes 10, 20, 30%. De um modo geral, o que temos verificado é a melhoria no solo, na planta e obviamente na produtividade de grãos, que é algo que nos interessa bastante, principalmente quando a gente mostra os dados para o produtor.
Qual a realidade hoje do emprego das diferentes práticas conservacionistas. Quais técnicas ou tecnologias o senhor destaca e como percebe o futuro produtivo regional?
Henrique Antunes de Souza: Bom, como eu mencionei, o uso das elevadas doses de corretivos, principalmente calcário, é algo que já vem dando certo na região, é algo que vem trazendo e proporcionando um retorno econômico interessante, porque vários produtores adotam, vários produtores já estão utilizando essa prática. Os patamares produtivos, eles têm sido interessantes com o uso dessas altas doses. Você tem uma aceleração da melhoria da fertilidade do solo num espaço de tempo menor e principalmente em regiões onde você vai ter estresse hídrico durante a condução da sua lavoura, ou seja, você vai ter veranicos ali. Você tem, como eu falei, as vezes quantitativos de chuva interessantes, mas uma distribuição muito ruim. E você também tem janelas muito curtas de plantio. Então, tudo aquilo que você puder fazer para deixar o ambiente propício para um bom desenvolvimento das plantas é necessário. Fazer uma boa correção do solo é fundamental neste processo e em regiões como a nossa, que são regiões de fronteira agrícola, solos mais arenosas, menores concentrações de matéria orgânica e também baixas concentrações de nutrientes. Tudo aquilo que nós pudermos fazer para trazer uma melhoria, principalmente para que as raízes das plantas possam explorar o maior volume de solo possível, para atenuar ou amenizar possíveis estresses hídricos, por exemplo, é importante. Logicamente, tudo isso está ligado a uma boa escolha de cultivar, a práticas conservacionistas, sempre que possível fazer uso de planta de cobertura e produzir palhada. Às vezes, a gente não tem condições de fazer uma segunda safra de grãos, como, por exemplo, uma safrinha de milho, que deixa uma palhada bastante razoável para a próxima safra. Em não sendo possível fazer uma segunda safra de grãos, que a gente pense em fazer uma segunda safra de palhada; seja através do uso da braquiária ou até mesmo milheto, deixar a cobertura do solo, isso é fundamental.
E mais um ponto que eu acho que vale a pena a gente colocar, é que tem avançado também a integração lavoura-pecuária em algumas áreas. Como eu mencionei, às vezes não é possível ter uma alta safrinha de grãos, uma segunda safrinha de grãos, mas já tem alguns agricultores pensando numa segunda safra de boi. Faz uma boa safra de grãos na janela de precipitação e depois uma safrinha de boi. E quando você coloca a braquiária num sistema como esse, fazendo integração, a braquiária depois da soja, você ainda tem os efeitos benéficos de ter uma forrageira ali no sistema que ajuda inclusive a melhorar a distribuição de calcário no perfil, então a braquiária que tem um sistema radicular rústico, tem um sistema radicular vigoroso, isso acaba contribuindo inclusive para uma melhoria do ambiente. Por fim, conseguimos enxergar que essas práticas conservacionistas como um todo, somado ao uso dessas doses mais elevadas de calcário, traz um ganha-ganha para o sistema, para o ambiente.