O volver das cinzas – Agricultura regenerativa
Por Afonso Peche Filho, pesquisador científico do Instituto Agronômico de Campinas (IAC)| Doutorado em Ciências Ambientais

A imagem do renascimento das cinzas, evocando a fênix, o símbolo universal de reconstrução e esperança, encaixa-se perfeitamente no desafio que o campo brasileiro enfrenta hoje. Milhões de hectares de solos estão exauridos pelo uso intensivo da agricultura convencional, baseada em mecanização pesada, monocultivos e insumos químicos. Paralelamente, extensas áreas de pastagens, outrora verdes e produtivas, transformaram-se em terrenos compactados, empobrecidos e erodidos, incapazes de sustentar rebanhos com eficiência. Em ambos os casos, o solo perde não apenas fertilidade, mas vitalidade: sua memória biológica se apaga, sua capacidade de funcionar como organismo vivo entra em colapso.
A agricultura regenerativa surge, nesse contexto, como prática que não visa simplesmente conservar o que restou, mas recriar o que foi perdido, reconstruir ecossistemas produtivos, trazer de volta funções ecológicas essenciais ao solo, à água e à biodiversidade. É um verdadeiro volver das cinzas, porque não se trata de repetir o passado, mas de fazer emergir algo novo, mais resiliente, mais integrado com a natureza.
Nas áreas agrícolas degradadas pela agricultura convencional, o solo carrega marcas profundas: erosão laminar e sulcos, baixa matéria orgânica, perda de estrutura, redução drástica da vida microbiana e aumento da dependência de fertilizantes e defensivos químicos. O manejo regenerativo propõe reverter esse cenário ativando processos naturais: uso intensivo de plantas de cobertura, rotação diversificada de culturas, compostagem, bioinsumos, manejo reduzido do solo (plantio direto verdadeiro) e integração com sistemas agroflorestais. Cada prática mira reativar a biologia do solo, melhorar a infiltração e retenção hídrica, recuperar a estrutura e aumentar a captura de carbono. O agricultor regenerativo não busca apenas produzir: ele busca curar o solo, despertar sua memória funcional, reconectar-se à lógica dos ecossistemas vivos.
Nas pastagens degradadas, o desafio é igualmente complexo. A degradação aqui muitas vezes resulta de superpastejo, compactação pelo pisoteio do gado, ausência de manejo rotacionado, baixa diversidade de gramíneas e forrageiras, além de incêndios mal controlados. O solo perde cobertura, a infiltração cai, surgem processos erosivos e as plantas restantes passam a ter baixo valor nutritivo. O manejo regenerativo nesse contexto envolve reformar o uso da pastagem com princípios ecológicos: planejar rotações inteligentes, introduzir espécies perenes e adaptadas, manejar alturas e pressões de pastejo, semear leguminosas que fixem nitrogênio e criem cobertura viva. Não é apenas "descansar a terra", mas reorganizar o sistema produtivo para que ele renasça com diversidade, saúde e produtividade sustentável.
O ponto central da analogia entre áreas agrícolas e pastagens degradadas é que, em ambos os casos, a degradação não é apenas física (compactação, erosão), mas biológica e funcional. E a regeneração também não é apenas física: envolve restaurar os fluxos energéticos, os ciclos de nutrientes, as cadeias tróficas, a conectividade entre solo, plantas, água e vida. É um processo onde o produtor não age mais como mero extrator de recursos, mas como gestor da vitalidade do sistema, como parte ativa do renascimento ecológico de sua paisagem.
Em síntese, a agricultura regenerativa aplicada a áreas degradadas pela agricultura convencional ou por pastagens degradadas é a arte do volver das cinzas: um trabalho profundo de reconstrução, onde as cinzas do passado servem como base para o florescimento de um futuro novo, mais inteligente, mais integrado, mais sustentável. Para agricultores e pecuaristas que aceitam o desafio, esse caminho não apenas resgata solos e paisagens, mas também dignidade, segurança alimentar e econômica, e uma nova relação de respeito com a terra.