SPD atua contra espiral de dependência
Da Redação FEBRAPDP
“No modelo atual existe, digamos, uma espiral de dependência do produtor. Como se está usando muito insumo, vai se criando desequilíbrio. Como as rotações de culturas não estão sendo bem manejadas, não se estão fazendo sucessões com diversidade de plantas, o que acaba criando problemas. A solução para isso é, por conseguinte, através do emprego de mais insumos, o que por sua vez vai promover mais desordens, mais disfuncionalidades e a espiral de dependência vai ganhando força”. A fala é de Rodrigo Alessio, produtor rural em Faxinal dos Guedes, SC, engenheiro agrônomo e vice-presidente da Federação Brasileira do Sistema Plantio Direto - FEBRAPDP por Santa Catarina.
Em entrevista concedida, ele nos conta, dentro de uma perspectiva muito própria e bem embasada pelos resultados produtivos que tem em sua propriedade, como percebe a distorção que faz muitos produtores adotarem parcialmente o Sistema Plantio Direto, acreditando que ao usar apenas, por exemplo, a prática da semeadura direta, muitas vezes chamadas até mesmo de “plantio direto”, estão num caminho que levará à sustentabilidade econômica, agronômica e ambiental; quando, na verdade, estão reforçando um ciclo vicioso e dependente. Confira, abaixo a íntegra da entrevista.
Todos que lidam com o SPD acabam tendo também como uma das frentes mais importantes o trabalho de convencimento com vistas à adoção do modelo. A divulgação e expansão do SPD passa necessariamente pelo esclarecimento sobre o que É e também sobre o que NÃO É a técnica. Desta forma, gostaria que o senhor falasse um pouco sobre o contexto de "confusão" entre SPD (conceito de sistema, integral) e semeadura direta (não integral).
Rodrigo Alessio: O pessoal confunde semeadura direta ou simplesmente “plantio direto” com Sistema Plantio Direto. Hoje, o grosso do que é feito no país não é Sistema Plantio Direto. Muito poucas áreas, muito poucos produtores praticam o Sistema Plantio Direto estrito senso dentro dos pilares e dos fundamentos que o sistema apregoa. O que ocorre comumente é o pessoal plantar em uma superfície qualquer sem muita abundância de palha e sem respeitar as rotações e sucessões mais apropriadas para o cultivo. Enfim, é simplesmente uma operação sobre um substrato. Não leva em consideração todo o conjunto de premissas do Sistema Plantio Direto da forma mais abrangente. Ah, então o que existe hoje é muita confusão, né? Muita confusão. O pessoal confunde o sistema com semeadura direta. O que a gente observa na maioria das vezes é uma semeadura direta.
Mas, para além das questões técnicas do ponto de vista operacional e manejo, como um e outro (SPD e semeadura direta) respondem efetivamente no resultado produtivo e, sobretudo, em termos sustentabilidade produtiva. Há como fazer essa comparação de modo a tornar mais clara a importância dessa escolha para o produtor?
Rodrigo Alessio: Essa questão, o pessoal da Embrapa Soja, de Londrina, PR, tem uns trabalhos de longo prazo que evidenciam de uma forma bastante clara a diferença entre o Sistema Plantio Direto e os manejos normais, menos, digamos, enriquecido em termos de diversidade. E os resultados são muito favoráveis ao Sistema Plantio Direto, sempre, sob o ponto de vista de vários aspectos, sejam ambientais, sociais, econômicos, enfim. Quando praticado dentro das premissas, os resultados são superiores em todos os sentidos, cotejando com outros sistemas.
Se não pelos motivos da sustentabilidade ambiental, mas pela sustentabilidade econômica, aquela que fala ao bolso, o que é necessário enfatizar ao produtor que ainda duela com a ideia da adoção integral?
Rodrigo Alessio: Essa é uma grande discussão. É sempre uma dificuldade, não é? E o produtor tem, às vezes, um olhar com viés muito econômico, e é justo pensar dessa forma. O fator econômico é um dos pilares da sustentabilidade. Mas o fato é que o horizonte que ele enxerga é um horizonte muito de safra, de ciclo de safra. Se nós pegarmos esse horizonte e ampliarmos ao longo dos anos, essas práticas mais integrativas, mais regenerativas, com certeza, mostrarão números muito melhores do ponto de vista de rentabilidade. Então, a gente tem que sair um pouco desse olhar muito imediatista, muito de momento, e enxergar num horizonte de tempo um pouco maior. Essa é uma dificuldade muito grande. Normalmente, os produtores assumem muitos compromissos, alavancam muito dinheiro com fornecedores de crédito e, meio que presos dentro dessa engrenagem, não conseguem ter essa visão de longo prazo, digamos assim, para quebrar certos paradigmas que estão imbricados nessa mentalidade atual. É uma pergunta bastante difícil de responder, mas acredito que temos que olhar no horizonte um pouco maior, enxergar as coisas num horizonte um pouco mais largo. Dentro das métricas, a gente vai conseguir mostrar sempre com dados bem consistentes que o sistema sempre é o melhor investimento. Investir no sistema é sempre o melhor investimento.
Sabe-se, por outro lado, que muitas vezes não é simplesmente uma questão escolher um e abandonar o outro, há condições econômicas e organizacionais atreladas. Quais são essas questões?
Rodrigo Alessio: Sem dúvida. Então tem coisas – e essa questão é difícil também – que acabam criando dentro do modelo atual, digamos, uma espiral de dependência do produtor. Como se está usando muito insumo, vai se criando desequilíbrio. Como as rotações de culturas não estão sendo bem manejadas, não se estão fazendo sucessões com diversidade de plantas, o que acaba criando problemas. A solução desses problemas é, por conseguinte, através do emprego de mais insumos, o que por sua vez vai promover mais desordens, mais disfuncionalidades, e a espiral de dependência vai ganhando força. O que torna, com frequência, o produtor refém dessa situação. Isso acontece também com relação à pauta das máquinas. Essa questão de deficiência operacional, ela tomou, vamos usar uma palavra já batida, um marketing exagerado. Eu acho que tem um aporte de recursos muito grande, não que não seja importante, nós temos avanços tecnológicos e tudo mais, temos que incorporar, mas eu acho que o critério principal é o produtor identificar o que que lhe cabe, esse diagnóstico, esse senso da realidade, o que que lhe cabe, o que que é próprio pra ele. Pensar, por exemplo: “será que essa tecnologia ela vai me render tudo aquilo que ela apregoa, ou se daqui um pouco eu melhorar um pouco o meu solo, bioativando ele, eu não vou conseguir ter resultados muito melhores?”. Então, o que é essencial? Qual é o critério com que eu, mexendo ali, farei resultados maiores? Eu vejo muito o produtor um pouco desfocado, muito para o lado da alavancagem, das máquinas, do operacional, resultados em produtividade e acaba esquecendo, em última análise, o bem que é o mais importante: o solo, a vida no solo. Esse é o maior bem dele. E a questão da rentabilidade vem atrelada a isso, porque a produtividade em si não é um dado muito inteligente. Ela tem que estar relacionada com outros fatores.
Como o produtor pode administrar esse processo que, evidentemente, contempla também a necessidade de gerenciar expectativas de resultados, num tempo que se alinhe com suas urgências imediatas?
Rodrigo Alessio: Essa pergunta é relacionada à transição, os riscos da transição, você sai de um ambiente de alta dependência para um ambiente de dependência. Como é que eu faço isso? Primeiro passo é testando em superfícies menores, para você ir rompendo esse medo. Então testa áreas menores, vai fazendo os seus trabalhos, as suas avaliações, vai colhendo os seus resultados na sua realidade local. E a partir dali, na medida que os resultados vão vindo e você vai adequando os seus manejos, você vai evoluindo para áreas maiores, para superfícies maiores. Esse é o processo de transição que a gente chama. Você sai de um ambiente de alta dependência química e insumista, migrando gradualmente de um ciclo vicioso, para um ciclo virtuoso, no qual você faz com que a dinâmica da vida do solo floresça. E junto com ela, todos os serviços ecossistêmicos que o sistema lhe dá. Isso faz com que você barateie, inclusive, a produção.
Dito isto, como é possível dar esse start no processo de se organizar melhor para mudar? E de modo a não se frustrar e abandonar a transição?
Rodrigo Alessio: É uma questão de mudança mental, mindset. E é a mudança mais difícil realmente, porque a gente vive meio que refém de certas crenças e certas... Não estou dizendo que aqui para ninguém ter uma atitude revolucionária, virar o jogo de uma hora para outra... Não, faz um passo a passo, vai entendendo, vai estudando, vai se familiarizando com esses conceitos. E esse modelo antigo de agricultura que nos trouxe até aqui – isso é muito importante salientar – teve todos os benefícios que teve até então e teve também consequências que não são tão boas, mas, bem ou mal, ela nos trouxe até aqui. Todavia, não é a mesma agricultura que não vai nos levar adiante, isso é importante a gente pautar, não é essa mesma agricultura que vai nos levar para adiante, para frente, para responder essas questões de fora da porteira, questões de qualidade nutricional dos alimentos, questões do impacto na emissão de CO₂; enfim, todas essas tratativas mais gerais e mais globais. É importante ter essa visão. A agricultura do futuro caminha para processos, para sistemas integrativos e regenerativos. Esse é o grande norte nosso.