SPD em Santa Catarina: distância dos fundamentos do sistema é distanciamento de uma agricultura mais sustentável

Da Redação FEBRAPDP

SPD em Santa Catarina: distância dos fundamentos do sistema é distanciamento de uma agricultura mais sustentável
Foto: Acervo pessoal Rodrigo Alessio

A exemplo do que ocorre em boa parte dos estados produtores de grãos no Brasil, Santa Catarina também apresenta um nível de adoção do Sistema Plantio Direto aquém de suas possibilidades. Nesta entrevista, Rodrigo Alessio, vice-presidente da Federação Brasileira do Sistema Plantio Direto - FEBRAPDP no estado, engenheiro agrônomo e produtor rural, analisa com um olhar bastante sutil o contexto vigente e os desafios locais para que a adoção do SPD, em sua concepção integral, alcance uma maior predominância regional, fundamentando as bases de uma agricultura que se pretende cada vez mais sustentável.

Pergunta: De acordo com alguns levantamentos do setor, as áreas ocupadas pelo Sistema Plantio Direto em sua concepção integral no Estado de Santa Catarina acompanham a média nacional e não somam mais que cerca de 10% do total da área de grãos. Qual a justificativa para a adoção apenas parcial do sistema?

Resposta: Penso que não chegue a 10% das áreas. Se refinarmos um pouco mais o olhar, de repente, esses 10% podem ser um dado até otimista. Eu acredito que a construção dessa realidade da baixa adesão pode, de forma subjetiva, ter várias origens, todavia, o fator econômico, com certeza tem um peso muito importante. Há uma ideia de explorar o máximo possível o teu ativo, que seria o teu solo, tua maior riqueza. Acredito que toda uma lógica “quimicista” e “insumista” foi muito bem inserida na mentalidade dos produtores. Isto se traduz em práticas muito voltadas ao produto e não ao processo. É uma visão de que o produto vai resolver ser a solução do meu problema; o que demanda sempre cada vez mais insumo. Como consequência, criou-se uma dependência muito forte e, enfim, essa lógica econômico-comercial está muito impregnada no modelo produtivo, representando um fator bem preponderante, através do qual sempre se olha os sintomas, nunca a causa. Tal realidade coloca toda agricultura refém de uma visão um pouco distorcida do processo. O SPD, por sua vez, fortalece justamente os processos, baseando-se muito nos princípios desses fundamentos. Na medida em que a gente se distancia desses fundamentos, a gente se afasta também de uma agricultura mais sustentável.

P: Na sua opinião, qual o principal desafio a ser vencido para reversão deste quadro?

R: Eu vejo que é questão de uma mudança mental/cultural o que está implicando. Materialmente, você até muda as coisas, mas se não houver mudança mental as coisas não acontecem de fato. A gente foi muito doutrinado ou ensinado a enxergar, digamos analisar o solo na parte química, analisar até sobre aspectos físicos sempre tendo esses parâmetros muito segmentados, mas nunca a gente parou para entender as funcionalidades do solo, como realmente esse sistema funciona, como essa engrenagem de complexidade e interações funciona. Falta essa compreensão do todo, da importância da microbiologia, da importância da matéria orgânica; enfim, de todo esse processo que quando trabalha de uma forma organizada é capaz de devolver benefícios do ponto de vista econômico, mas principalmente do ponto de vista da sustentabilidade, do equilíbrio e de menos dependência. Enfim, é esse resgate dessa visão do processo um pouco mais holístico, dentro de uma percepção um pouco mais integrada de todos os atributos do solo trabalhando de uma forma simultânea. Eu acho que faz muita falta essa visão. Nós fomos muito formatados no sentido de analisar o solo de um modo muito segmentado. A atenção com as funcionalidades; ou seja, como realmente o sistema funciona, tem passado um pouco longe da maior parte dos produtores. Neste sentido, uma mudança mental, mesmo que seja mais difícil, é, com certeza, mais importante.

P: A partir da missão da Federação de tornar o SPD ainda mais adotado, valendo-se, inclusive, da capilaridade dos estados, como especificamente no seu estado esse esforço será feito? Já existem ideias, projetos, estratégias para essa tarefa?

R: Em nível estadual, temos participado muito de eventos e promovido alguns também em propriedades em parceria com a Epagri junto a qual temos feito anualmente no mínimo dois eventos. Em 2023, inclusive, haverá em Chapecó um, que terá visitação às propriedades, onde a nossa propriedade também estará aberta para uma tarde de campo. Temos visitado muito as universidades e institutos federais fazendo aquelas aulas inaugurais para as turmas no início de semestre, temos participado muito ativamente com o corpo docente também. Mas é um trabalho de formiguinha, não há nada mais definido de um ponto de vista estratégico mais geral. Eu acredito nesse trabalho que a gente tem feito e tem sido muito hesitoso, com bastante receptividade e feedbacks bem interessantes, permitindo que percebamos que existe uma vontade – ainda não de uma forma geral – mas em alguns nichos, onde já há bastante preocupação e atenção para esses aspectos de fortalecimento dos manejos sustentáveis.

P: Gostaria que o senhor falasse um pouco sobre a sua percepção pessoal, de como vê e sente o engajamento/interesse dos produtores estaduais em se envolverem ou apenas ouvirem orientações técnicas que proponham essa mudança para a adoção mais integral do SPD.

R: Trata-se de um horizonte bastante diverso. Temos aquele produtor que está refém do imobilismo, está numa zona de conforto, não está muito pensando em processos, em complexidade e importância das funcionalidades do solo. Por outro lado, temos também um grupo de produtores que já desperta para essa importância e tem o interesse efetivo e tentar internalizar algumas práticas, alguns processos e fortalecer esses processos de incorporação de carbono, produção de biomassa, ativação biológica. E temos ainda um grupo de jovens acadêmicos, principalmente recém-egressos ou ainda em fase de conclusão de curso, que me parece terem uma percepção um pouco mais viva e interesse mais efetivo. Então temos um leque bastante variado de gradações de interesse e perfis.