SPD em GO: É preciso resgatar a pesquisa regional

Da Redação FEBRAPDP

SPD em GO: É preciso resgatar a pesquisa regional

O produtor rural deixou de pesquisar, deixou de fazer testes com variedades e manejos na busca por soluções que atendessem mais plenamente às especificidades de sua lavoura em sua região. Este mesmo produtor está cada vez mais atrelado aos pacotes prontos de empresas e revendas agropecuárias, gerando um contexto financeiro que, dentre vários aspectos, o vincula a questões operacionais onde plantar e colher rápido é uma necessidade e onde pouco espaço há para o ritmo do Sistema Plantio Direto e seus pilares básicos. É necessário rever isso e buscar formas de incentivos públicos para o SPD.

Estas são algumas das percepções de Rogério Vian. Ele é entrevistado desta semana para a série de reportagens que pretende mostrar os múltiplos cenários do SPD onde a FEBRAPDP está presente. Vian é vice-presidente da FEBRAPDP no Estado de Goiás. É produtor rural, técnico agrícola e engenheiro agrônomo. É também membro das diretorias da Aprosoja Goiás, da Associação Goiana dos Produtores de Algodão - Agopa, e do Instituto Goiano de Agricultura - IGA. Vian foi um dos fundadores e esteve à frente da presidência do Grupo Associado de Agricultura Sustentável – GAAS até dezembro de 2022.

 

P: Quais as estimativas de áreas sob PD de forma parcial e de áreas sob o SPD de forma integral?

R: Eu acredito que o uso do Sistema Plantio Direto integral e com qualidade em Goiás esteja, mais ou menos, dentro da média nacional; ou seja, no máximo em 10% das áreas onde a técnica está presente de alguma forma. Na verdade, talvez até nem isso, ficando em torno de 7% ou 8%. Na minha região, o Sudoeste Goiano, por exemplo, esse percentual não chega nem a 5%. O que predomina mesmo em boa parte do estado é o cultivo mínimo, com pouca gente usando plantas de cobertura e rotação de culturas praticamente inexistente; fazendo sempre a sucessão soja-milho safrinha ou e soja-algodão.

 

P: E por que isso acontece?

R: A justificativa é, sobretudo, operacional. Os produtores optam por plantar rápido e colher rápido, e quando se tem muita palhada na área, essa agilidade fica um pouco comprometida. Nas regiões em que chove muito na época de plantio, a janela para semear o solo é muito curta, coisa de 15 ou 20 dias apenas. Nesse espaço de tempo, praticamente 100% das áreas de grãos já está plantada com vistas ao tempo necessário para fazer a safrinha mais à frente. Quando o produtor tem um SPD de qualidade, com palhada mais densa, o plantio tem que ser mais lento, não pode plantar com o solo muito molhado. Desta forma, a maioria dos agricultores hoje observa o aspecto operacional. Se encaixa dentro do que foi estabelecido para as operações ele faz, se não, ele não faz.

P: Qual o principal desafio a ser vencido para reversão deste quadro?

R: Na minha opinião o caminho para a reversão desse quadro está nas políticas públicas de incentivo, como, por exemplo o Programa ABC e outros programas, para que as tecnologias sejam adotadas. Os que adotarem tenham vantagens com relação a créditos, prazos de financiamento, juros menores, carências... É política pública. O produtor tem dos benefícios da técnica, mas se puxar para o lado do financiamento público mesmo, incentivando com recursos públicos, isso o estimulará mais na adoção das práticas do SPD. Esse movimento precisa vir de cima para baixo, com, por exemplo, o Ministério da Agricultura oferecendo linhas de créditos específicas para o Sistema Plantio Direto de qualidade, e com fiscalização. O próprio seguro agrícola poderia ser mais barato para que faz o verdadeiro SPD. Eu acredito que o melhor jeito de fomentar isso seja com políticas públicas com incentivo de financiamento às boas práticas agrícolas. Gerar bonificação para quem está guardando carbono no solo, não está emitindo, está produzindo matéria orgânica, está cuidando do seu solo, evitando erosão, etc.

 

P: Neste cenário, como a FEBRAPDP especificamente Goiás atuará? Já existem ideias, projetos, estratégias para essa tarefa?

R: Como fui presidente do GAAS até o final de 2022, minha ideia é trazer a questão do SPD ainda mais para perto do conceito que engloba o conjunto de práticas da agricultura sustentável. Para fazer isso, pretendemos da ênfase à questão biológica com mais força, através do uso de insumos como os remineralizadores, os pós de rocha e insumos regionais. Defendemos muito a produção de bioinsumos dentro da própria propriedade, fazer compostagem; enfim, trazer o máximo de elementos do modelo da chamada agricultura de processos, como chamamos essas práticas da agricultura sustentável, e juntar os conceitos dentro de um mesmo contexto. É importante também juntar as entidades, a FEBRAPDP, o GAAS, Associação Goiana dos Produtores de Algodão - Agopa, Associação Brasileira dos Produtores de Algodão - Abrapa, Associação dos Produtores de Soja e Milho – Aprosoja, Instituto Federal Goiano - IEFs, entre outras, trazendo todo mundo para a mesma roda de conversa, juntar cada vez mais o SPD para a questão da agricultura tropical biológica, com diminuição do uso de defensivos. Nesse sentido, temos vários projetos sendo desenvolvidos a fim de diminuir e até eliminar o uso de herbicidas; fazer um SPD em cima de cobertura verde, o que é pouco falado. Precisamos desenvolver sistemas para plantar em cima de cobertura verde. A gente sabe que é mais complicado, mas temos que começar a bater nessa tecla e trazer mais estudos, e ir tirando os herbicidas de maneira parcial ou total no futuro, acho que a gente ganha em termos de adesão ao sistema. Requer muita pesquisa, muito trabalho em conjunto com a participação de todos. É o que a gente defende aqui no estado e serviria ao todo o Brasil.

 

P: Gostaria que o senhor falasse um pouco sobre a sua percepção pessoal, de como vê e sente o engajamento/interesse dos produtores estaduais em se envolverem ou apenas ouvirem orientações técnicas que proponham essa mudança para a adoção mais integral do SPD. É meio como “pregar no deserto” ou se pode detectar nichos de real e efetivo interesse nessa evolução? E, em havendo dois ou mais grupos distintos (interessados e desinteressados), como o senhor os definiria?

R: Os anos à frente do GAAS, nos deram uma boa experiência. Realmente, por muitas vezes temos a sensação de estarmos pregando no deserto. Não é fácil mudar um paradigma, e é disso que, afinal de contas, se trata. Apesar de estarmos falando do SPD há tantos anos sobre toda a importância da sua qualidade, da sua adoção integral, na realização dos três pilares básicos originais, na prática nos deparamos com uma realidade de grande desafio em função de fatores como as grandes extensões de terra, a questão cultural e até questão do clima de cada região. O que eu mais vejo hoje é o produtor esperando que alguém venha com a solução pronta para ele. Poucos produtores vão atrás realmente de desse tipo de informação. Há também a ação das próprias revendas das multinacionais, dos pacotes, dos pacotes prontos, que acabam colocando o produtor meio que refém desse modelo. Ele é obrigado a comprar o que o pacote ou o que a empresa que o está financiando para aquela atividade determina. Neste contexto, querendo ou não, ele acaba ficando dependente do que a empresa fornece para ele. A grande maioria dessas empresas não tem interesse que o produtor pesquise coisas diferentes. Ela está levando soluções de pesquisa para ele que interessam para ela. Vemos muito assim na questão da genética de plantas, plantas com um custo cada vez maior, plantas com alguma transgenia em todos os tipos de sementes e vai agregando custos. Tudo tenta ser resolvido na parte genética, com mais aplicações de fungicida, mais aplicação de inseticida mesmo com o uso da transgenia. Acaba que o produtor fica refém das grandes refendas e grandes multinacionais porque ele está enrolado economicamente nesse sentido com relação a crédito, então acaba realmente ficando meio que refém desse sistema.

 

P: Mas o produtor está interessado em quebrar esse paradigma?

R: Outro fator importante é que também passou a haver um grande desinteresse por parte da maioria dos produtores em fazer suas próprias pesquisas. Ele mesmo pesquisar, como muito se fazia antigamente, testando na própria propriedade variedades diferentes, manejos diferentes. Aqui na minha região a gente tinha uma associação de produtores com a qual fazíamos todo tipo de testes durante 22 anos. Hoje não tem mais isso. A própria estrutura das pesquisas regionais, como fazia a Empresa Goiana de Pesquisa Agropecuária – EMGOPA não existe né. Atualmente, existe o GAPES - Grupo Associado de Pesquisa do Sudoeste Goiano, em Rio Verde vem fazendo as pesquisas deles, mas só uns anos para cá vêm virando um pouco a chave para a parte mais biológica. A gente tem que investir em pesquisas regionais, voltadas para SPD. Eu vou a vários dias de campo, vou muito mais do que eu gostaria de ir, na verdade. Isso porque os dias de campo hoje estão muito focados em produtos e genética e nada de novo trazem com relação ao manejo, com relação a SPD, com relação às plantas de cobertura é muito raro ver isso hoje nesses eventos. Assim, gostaria de ressaltar que é necessário fomentar mais esse tipo de ação capaz de gerar interesse para os produtores, sem deixar de lado a já mencionada necessidade de uma política pública estadual de incentivos.